E NÃO NOS DEXEIS CAIR EM TENTAÇÃO
76. — Há pecadores que desejam obter o perdão de seus pecados;
confessam-se e fazem penitência, mas não se aplicam como devem,
para não recaírem no pecado. São inconseqüentes consigo mesmos,
pois choram e se arrependem de seus pecados, para em seguida
caírem novamente nos mesmos pecados e assim acumularem motivo
para lágrimas futuras. A propósito disto, diz o Senhor em Isaias: (1,
16) Lavai-vos, purificai-vos, tirai de diante de meus olhos a
malignidade de vossos pensamentos: deixai de fazer o mal.
É por isso que Cristo, como dissemos, nos ensina, no pedido anterior,
a implorar o perdão de nossos pecados e neste, a graça de evitar o
pecado dizendo: e não nos deixeis cair em tentação, pois é
verdadeiramente a tentação que nos induz ao pecado.
77. — Neste pedido três questões atraem nossa atenção:
a) Que é a tentação?
b) Como e por quem o homem é tentado?
c) Como se livra da tentação?
78. — a) Que é a tentação?
Tentar não quer dizer mais do que: por à prova. Assim, tentar o
homem, é por à prova sua virtude. A tentação pode ser de duas
maneiras, segundo as exigências da virtude humana. Uma, quanto à
perfeição da obra e outra, que o homem se guarde de todo o mal. É o
que diz o Salmista: (Sl 33, 15) Evita o mal e faze o bem.
A virtude do homem será pois provação, tanto do ponto de vista da
excelência de se agir, quanto do seu afastamento do mal.
79. — Se sois provados para saber, se estais prontos para praticar o
bem, como, por exemplo, jejuar, e estais efetivamente prontos para o
bem, grande é a vossa virtude.
Deste modo Deus prova o homem, não porque Ele não conhece sua
virtude, mas para que assim todos a fiquem conhecendo e o tenham
como exemplo.
Deste modo Deus tentou Abraão (Gn 22) e Jó. Por
isso Deus envia tribulações aos justos; se suportam com paciência,
sua virtude é manifesta e progridem na virtude. O Senhor vosso Deus
vos tenta, para se fazer manifesto se o amais ou não, dizia Moisés
aos Hebreus (Dt 13, 3). Portanto Deus tenta o homem, provocando-o
a fazer o bem.
80. — O segundo modo de tentar a virtude do homem é incitá-lo ao
mal. E se o homem resiste fortemente e não consente, sua virtude é
grande, mas se ele não resiste, onde está sua virtude?
Deus nunca tenta o homem deste modo, pois nos diz São Tiago: (1,
13): Ninguém, quando é tentado, diga que Deus é que o tenta, pois
Ele é incapaz de tentar para o mal. Mas quem tenta o homem é a
própria carne, o diabo e o mundo.
81. — b) Como e por quem é o homem tentado?
A carne tenta o homem de dois modos
Primeiro, instigando o homem para o mal, pela procura dos gozos
carnais, que são sempre ocasião de pecado. Quem permanece nos
gozos carnais, negligencia as coisas espirituais. Diz-nos São Tiago:
Cada um é tentado por sua própria concupiscência que o arrasta e
seduz (Tg 1, 14).
Em segundo lugar, a carne nos tenta, desviando-nos do bem. Pois o
espírito, por si mesmo, se deleita sempre com os bens espirituais;
mas o peso da carne entrava o espírito. O corpo que se corrompe faz
pesada a alma, diz o Livro da Sabedoria (9, 15) e São Paulo escreve
aos romanos (7, 22): Pois me deleito na lei de Deus, segundo o
homem interior; sinto, porém, nos meus membros outra lei, que
repugna à lei de meu espírito e que me prende à lei do pecado, que
está em meus membros.
Esta tentação da carne é muito forte porque a carne, nossa inimiga,
está ligada a nós. E como disse Boécio: «Nenhuma peste é tão
nociva, quanto um inimigo familiar». Por isto é preciso estar vigilante
contra a carne. Vigiai e orai, para não cairdes em tentação. (Mt 26,
41).
82. — Ora, uma vez a carne dominada, outro inimigo aparece, o
diabo, contra quem é enorme nossa luta. Diz-nos São Paulo: (Ef 6,
12) — não temos que lutar contra a carne e o sangue apenas, mas
sim contra os principados e potestades, contra os dominadores do
mundo das trevas, contra os espíritos de malícia, espalhados pelos
ares. Donde é o diabo expressamente chamado o tentador, como nos
mostra São Paulo: (1 Ts 3,5): Não vos haja tentado aquele que tenta.
O diabo age astutamente nas tentações. Assim como um general de
exército, que sitia uma fortaleza, considera os pontos fracos que quer
atacar, o diabo considera onde o homem é mais fraco para aí tentá-
lo. E por isso tenta-o nos vícios a que o homem, subjugado pela carne, é mais inclinado, como o vício da ira, da soberba e outros
vícios espirituais. Vosso adversário, o demônio, como um leão a rugir
anda ao redor de vós, procurando a quem devorar, diz-nos São
Pedro. (1 Pd 5, 8).
83. — O demônio usa de suas táticas em suas tentações. No primeiro
momento da tentação não propõe ao homem nada de
declaradamente mau, mas alguma coisa que ainda tenha a aparência
de um bem. Assim, de início, desvia ligeiramente o homem de sua
orientação geral interior, o suficiente para, em seguida, levá-lo
facilmente a pecar. Sobre isto escreve o Apóstolo aos Coríntios: (2
Cor 11, 14): O próprio Satanás se transfigura em anjo da luz.
Depois de ter induzido o homem ao pecado, prende-o para não
permitir que ele se liberte de suas faltas.
Assim o demônio faz duas coisas: engana o homem e o conserva
enganado em seu pecado.
84. — O mundo por sua vez nos tenta de duas maneiras. Em primeiro
lugar, por um desejo desmesurado das coisas temporais. A cupidez é
raiz de todos os males, diz o Apóstolo (Tm 6, 10).
Em segundo lugar, o mundo nos incita ao mal por medo das
perseguições e dos tiranos. Estamos envolvidos pelas trevas (Jo 37,
19) Pois todos os que quiserem viver piamente em Cristo Jesus
sofrerão perseguição, escreve São Paulo (2 Tm 3, 12). E o Senhor
recomenda a seus discípulos: (Mt 10, 20) Não temais os que matam o
corpo.
85. — c) Até aqui mostramos o que é a tentação e como o homem é
tentado. Vejamos agora como o homem se livra da tentação Sobre isso é preciso notar que Cristo nos ensinou não a pedirmos
para não sermos tentados, mas para não cairmos em tentação. Com
efeito, é vencendo a tentação que o homem merece a coroa da glória.
(cf. 1 Cor 9,25); (Pd 5, 4) É por isso que São Tiago (1, 2) declara:
Meus irmãos, tende em conta da maior alegria o passardes por
diversas tentações. E o Eclesiástico nos adverte: (2, 1): Filho, quando
entrares no serviço de Deus... prepara tua alma para a tentação. Diz
ainda São Tiago (1, 12) Bem-aventurado o homem que suporta a
tentação; porque depois de ser provado, receberá a coroa da vida.
Assim Jesus nos ensina a pedir ao Pai para não cairmos em tentação,
dando a esta nosso consentimento. Diz-nos São Paulo: (1 Cor 10, 13)
Não vos sobreveio nenhuma tentação, que não seja humana. Ser
tentado é humano, mas consentir é ter parte com o diabo.
86. — Poderão objetar: uma vez que o Cristo disse explicitamente:
Não nos induzi em tentação, isto é, não nos façais cair em tentação,
não se deve deduzir daí, que é o próprio Deus, mais do que o diabo,
que nos empurra ativamente para o mal?
Respondo assim:
É pelo fato de permitir o mal e não levantar contra ele obstáculo que
Deus, por assim dizer, leva o homem a praticar o mal. Assim Deus
será dito induzir o homem em tentação, quando retira dele sua graça,
por causa dos inúmeros pecados anteriores deste homem; o que terá
por efeito fazer o homem cair em novo e pior pecado. Para ser
preservado desse mal, o Salmista pede a Deus em sua prece: (Sl 70,
90): Quando minhas forças faltarem, não me desampares.
Por outro lado, graças ao fervor da caridade, dado por Deus, o
homem é ajudado de tal modo que não é induzido em tentação no
sentido acima (n° 82, 83). A caridade, por menor que seja, resiste a
qualquer pecado. As muitas águas não puderam extinguir a caridade,
diz o Cântico dos Cânticos (8, 7)
Assim como Deus nos dirige pela luz da inteligência, também pela
inteligência nos mostra as obras que devemos realizar. Segundo
Aristóteles, todo pecador é um ignorante. Diz o Senhor (Sl 31, 8):
Inteligência te darei e te instruirei neste caminho. E Davi pede esta
luz, para bem agir (Sl 12, 4-5): Ilumina meus olhos, para que eu não
durma jamais na morte. Para que o meu inimigo não venha a dizer:
Eu prevaleci contra ele.
87. — Esta luz nos vem pelo Dom da Inteligência.
Se recusamos nosso consentimento à tentação, guardamos a pureza
de coração santificada por Jesus: (Mt 5, 8): Bem-aventurados os
puros de coração, pois verão a Deus; e nós chegaremos à visão de
Deus.
Que Deus a ela nos conduza efetivamente.

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