'Se você não sofre tentações é porque o demônio é seu amigo, seu líder e seu pastor.'
São João Maria Vianney
As tentações são necessárias para que possamos perceber que não somos nada por nós mesmos. Santo Agostinho diz-nos que deveríamos agradecer a Deus tanto pelos pecados dos quais Ele nos preservou, como pelos pecados que Ele, por caridade, nos perdoou. Caso venhamos a cair nas ciladas do demônio, nós pensamos que somos capazes de nos levantarmos novamente, confiando muito mais nas nossas promessas e resoluções do que na força de Deus. Isto é uma grande verdade! Quando nós não temos nada do que nos envergonhar, quando todas as coisas estão correndo bem e de acordo com os nossos desejos, nós ousamos pensar que nada poderia nos derrubar. Nós esquecemos facilmente do nosso próprio nada e de nossa fraqueza interior. Chegamos mesmo a protestar, que estamos prontos a morrer do que permitirmos sermos vencidos.
Nós
vemos o esplêndido exemplo de São Pedro, que disse ao Senhor que ainda
que todos se escandalizassem Dele, ele não se escandalizaria. Coitado!
Para mostrar-lhe, como o homem entregue às suas próprias forças, não é
absolutamente nada, Deus fez uso, não de reis, príncipes ou armas, mas
sim da voz de uma simples empregada na noite da prisão de Jesus, que
confrontou Pedro com um monte de interrogações. E nesse momento Pedro
protesta dizendo que nem sequer conhecia o Senhor, e fez de contas que
nem sabia do que ela estava falando. Para assegurar aos presentes, de um
modo ainda mais veemente de que ele não conhecia Jesus, ele chegou
mesmo a jurar! Ó Senhor, o que não somos capazes de fazer quando nós
estamos entregues a nós mesmos!
Existem
pessoas, que fazem questão de dizer, o quanto eles invejam os santos
que fizeram grandes penitências! Eles chegam a acreditar que poderiam
fazer o mesmo! Às vezes quando lemos sobre a vida de alguns mártires,
nós gostaríamos, nós pensamos, estarmos prontos para sofrer tudo que
eles sofreram por amor a Deus. Chegamos ao ponto de pensar: é um momento
de sofrimento muito curto para a recompensa que vamos receber no Céu!
Mas o que faz Deus para nos ensinar a nos conhecermos, ou melhor, para
reconhecermos que não somos absolutamente nada?
Eis
o que Ele faz: Ele permite que o demônio se aproxime um pouquinho mais
de nós. E nesse momento, veja o que acontece com os cristãos que há
apenas uns minutos atrás invejavam aquele eremita que vivia retirado no
deserto, alimentando-se somente de ervas e raízes e que fez a firme
resolução de submeter seu corpo a duras penitências. Coitado! Uma leve
dor de cabeça, a simples espetada de um espinho, o faz se condoer todo
por si próprio! Não importando o quão grande e forte ele possa
aparentar. Ele se aborrece, reclama da dor. A poucos momentos atrás,
estava disposto a fazer todas as penitências dos anacoretas (monges do
deserto) e agora, o menor contratempo o faz cair no desespero!
Agora
vejamos esse outro cristão, que parece querer entregar toda sua vida a
Deus. Que possui um ardor que tormento algum poderia apagar! Um pequeno
escândalo... uma palavra de calúnia... e até mesmo uma fria
receptividade ou pequena injustiça cometida contra ele... uma gentileza
retribuída com ingratidão... imediatamente desperta nele todos os
sentimentos de ódio, vingança e descontentamento, a ponto de
frequentemente, ele desejar nunca mais ver o seu próximo ou pelo menos
tratá-lo de um modo frio, de forma a demonstrar o quanto aquela pessoa o
ofendeu. E quantas vezes, isso se torna o seu primeiro pensamento ao
acordar, assim como o pensamento que sempre o impede de dormir em paz?
Coitado! Meus caros amigos, nós somos umas coisas pobres, e por isso
deveríamos contar muito pouco com nossas próprias resoluções.
Cuidado
se você não sofre tentações! A quem o demônio mais persegue? Talvez
você ache que as pessoas que são mais tentadas, são indubitavelmente, os
beberrões, os provocadores de escândalos, as pessoas imodestas e sem
vergonha que deitam e rolam na sujeira e na miséria do pecado mortal,
que se enveredam por toda espécie de maus caminhos. Não, meu caro irmão!
Não são essas pessoas! Ao contrário, o demônio os deixa de lado, ou
seja, ele se apóia nelas enquanto elas vivem, porque do contrário ele
não teria tanto tempo para fazer o mal. Isso porque, quanto mais tempo
essas pessoas viverem, mais seus maus exemplos arrastarão outras almas
para o Inferno.
De
fato, se o demônio tivesse perseguido esse velho companheiro obsceno e
sem-vergonha, ele teria encurtado a duração de sua vida em 15 ou 20
anos, de forma que ele não teria destruído a virgindade daquela garota
ali, seduzindo-a para a inominável mira de suas indecências. Ele não
teria novamente seduzido aquela mulher casada e nem ensinado suas más
lições àqueles rapazinhos, que talvez as continue a praticar até o final
de suas vidas.
Se
o demônio tivesse incitado a este ladrão ali na frente, a roubar em
tudo quanto é ocasião, ele teria ido acabar na forca e não teria tempo
pra induzir seu vizinho a seguir seu mau exemplo. Se o demônio tivesse
encorajado esse beberrão ali, a se embebedar incessantemente com o
vinho, ele já teria morrido a muito tempo atrás nas suas libertinagens, e
não teria tempo de fazer com que outros seguissem seu mesmo caminho. Se
o demônio tivesse tirado a vida deste músico ali, ou daquele
organizador de bailes, ou daquele dono de cabaré, em algum tipo de
tumulto ou assalto, ou em qualquer outra ocasião, quantas almas não
seriam poupadas da danação eterna!
Santo
Agostinho nos ensina que o demônio não importuna muito essas pessoas;
pelo contrário, ele até as despreza e cospe sobre elas. Assim, você me
perguntaria: então quem são as pessoas mais tentadas? São estas, meus
caros amigos, observem-nas atentamente. As pessoas mais tentadas são
aquelas que estão prontas, com a graça de Deus, a sacrificar tudo pela
salvação de suas pobres almas, que renunciam a todas as coisas que a
maioria das pessoas buscam ansiosamente. E não é um demônio só que as
tenta, mas milhões de demônios procuram armar-lhes ciladas.
Uma
vez, São Francisco de Assis e todos os seus religiosos estavam reunidos
numa área plana e aberta, onde eles tinham erguido algumas choupanas de
palha. Buscando um meio de fazer com que todos fizessem penitências
extraordinárias, São Francisco ordenou que fossem trazidos todos os
instrumentos de penitência, e seus religiosos os trouxeram aos feixes.
Nesse momento, havia um jovem homem a quem Deus concedeu a graça de
poder ver o seu Anjo da Guarda. De um lado, ele viu todos esses bons
religiosos que buscavam satisfazer sua sede por mais penitências e, do
outro, o Anjo permitiu-lhe ver uma legião de 18 mil demônios, que
estavam se reunindo em conselho para ver de que modo eles poderiam
subverter esses religiosos pela tentação. Um dos demônios disse: 'Vocês
não percebem mesmo! Esses religiosos são tão humildes; Ah! que virtude
espantosa! são tão desapegados de si próprios, tão apegados a Deus! Eles
possuem um superior que os guia, de forma que é impossível ser bem
sucedido em qualquer ataque que façamos a eles. Vamos esperar até que o
superior deles morra e então introduziremos entre eles jovens sem
nenhuma vocação que trarão um certo relaxamento de espírito para a
ordem, e aí sim, nós os venceremos'.
Mais
tarde, quando esse homem entrou na cidade, ele viu um demônio sentado
sozinho no portão de entrada da cidade e que tinha a tarefa de tentar
todos os habitantes daquele lugar. Esse santo perguntou ao seu Anjo da
Guarda porque motivo, para tentar apenas aquele grupo de religiosos,
haviam tantos demônios, ao passo que, para toda aquela cidade, havia
apenas um sentado à sua entrada. Seu bom Anjo respondeu-lhe então, que
aquelas pessoas não precisavam de tentação, uma vez que já estavam
entregues aos seus próprios pecados, ao passo que aqueles religiosos
buscavam fazer tudo que era bom, apesar de todas as ciladas que os
demônios podiam armar para eles.
Meus
caros irmãos, a primeira tentação com a qual o demônio tenta qualquer
um que começou a servir melhor a Deus chama-se 'respeito humano'. Aquela
pessoa acometida pelo respeito humano, não ousará mais a ser vista em
todo lugar, passará a se esconder de todos aqueles com os quais ela
andava misturada na busca de uma vida de prazeres. Se alguém lhe disser
que ela está muito mudada, imediatamente ela ficará envergonhada! Aliás,
o que as pessoas vão dizer dela, é a sua contínua preocupação. Chega a
um ponto de perder a coragem de fazer qualquer boa ação diante dos olhos
alheios. Se o demônio não consegue fazê-la retroceder na caminhada
espiritual através do respeito humano, ele infundirá nela um
extraordinário medo, dizendo-lhe que suas confissões não servem para
nada, que seu confessor não a entende, que seja lá o que ela fizer, será
sempre em vão, que ela irá para a condenação eterna do mesmo modo ou
que ela obteria o mesmo resultado (a salvação) no final, deixando tudo
correr solto ao invés de continuar a lutar, afinal as ocasiões de pecado
já demonstraram ser demais para ela!
Por
que será, meus irmãos, que quando alguém não dá a mínima importância à
salvação de sua alma, ele parece não sofrer a menor tentação? Mas assim
que ele resolve mudar de vida, em outras palavras, assim que ele deseja
reformar sua vida para que Deus venha morar nele, imediatamente todo o
inferno cai em cima dele? Ouçamos o que nos diz Santo Agostinho a esse
respeito: 'Do modo como o demônio se comporta em relação ao pecador: Ele
atua como um carcereiro que possui muitos prisioneiros trancados em sua
prisão, mas como ele não carrega ou não possui a chave que poderia
libertá-los dali, ele tranquilamente pode sair sossegado, certo de que
nenhum deles tem como fugir. Este é o modo como ele age com aqueles
pecadores que nem sequer consideram a possibilidade de deixar o pecado
para trás. Ele nem sequer se dá ao trabalho de tentá-los. Ele vê tais
pessoas como perda de tempo, não apenas porque elas não pensam em
deixá-lo, mas também porque ele não deseja multiplicar suas cadeias. Por
outro lado, seria inútil tentá-los. Ele permite que eles vivam em paz
enquanto estiverem vivendo no pecado mortal. Ele esconde do pecador a
situação em que ele se encontra, o mais que ele pode, até a morte, e
quando acontece dele pintar um quadro da vida daquele pecador, ele o faz
de uma maneira tão aterrorizante, que o infeliz pecador súbito cai no
desespero. Mas com qualquer um que se decidiu a mudar de vida, que se
decidiu a entregar-se completamente à Deus, é toda uma outra história!'
Enquanto
Santo Agostinho vivia no pecado e na maldade, ele não tinha porque se
preocupar com as tentações. Ele acreditava se encontrar em paz, como ele
mesmo nos conta. Mas no momento que ele resolveu dar as costas para o
demônio, ele teve que travar um combate contra ele a ponto de perder sua
respiração na luta. E isso durou cinco anos! Ele chorou as lágrimas
mais amargas e fez as mais severas penitências. Ele chegou ao ponto de
dizer: 'Eu discutia com ele em minhas cadeias! Um dia eu achei que tinha
sido vitorioso, no próximo dia lá estava eu de novo, prostrado no chão.
Esta guerra cruel e obstinada durou cinco anos. No final, Deus me
concedeu a graça de vencer o combate contra o meu inimigo'.
Você
pode ver também a luta que São Jerônimo teve que empreender, quando ele
se decidiu a viver apenas para Deus e também quando planejou visitar a
Terra Santa. Quando ele ainda estava em Roma, concebeu um desejo novo de
trabalhar pela sua salvação. Ao sair de Roma, ele se retirou para um
deserto para se entregar a todos os exercícios que o amor por Deus o
inspirasse a fazer. Então o demônio, prevendo como sua conversão iria
influenciar tantas outras pessoas, se encheu de fúria e desespero. São
Jerônimo não foi poupado da menor tentação. Eu não acredito que exista
um santo que foi mais tentado do que ele.
Isto
foi o que ele escreveu a um de seus amigos: 'Meu caro amigo, eu quero
confidenciar-lhe sobre minhas aflições e o estado ao qual o demônio
procura reduzir-me. Quantas vezes nessa vasta solidão, na qual o calor
do sol se faz insuportável, quantas vezes os prazeres de Roma parecem me
assaltar! A dor e a amargura, das quais minh'alma se encontra repleta,
fazem me derramar rios de lágrimas dia e noite sem parar. Eu procurei me
esconder nos lugares mais isolados para lutar contra minhas tentações e
chorar pelos meus pecados. Meu corpo está todo desfigurado e coberto
com uma veste rude em trapos. Eu não tenho outra cama a não ser o chão
nu e minha única comida é um cozido de raízes e água, mesmo quando estou
doente. Apesar de todos esses rigores, meu corpo ainda se recorda dos
sórdidos prazeres dos quais Roma inteira está envenenada, meu espírito
ainda se encontra no meio daqueles companheiros de prazer e aventuras
com os quais eu tão imensamente ofendi a Deus. Nesse deserto, ao qual eu
mesmo me condenei para evitar o inferno, junto dessas rochas sombrias,
onde eu não tenho outra companhia, a não ser escorpiões e os animais
selvagens, meu espírito ainda queima dentro do meu corpo morto, com um
fogo de impurezas. O demônio ainda assim, ousa a me oferecer prazeres
para que eu os prove. Eu me contemplo tão humilhado por essas tentações e
o único pensamento que me faz morrer de pavor é não saber quais
austeridades às quais eu ainda devo submeter o meu corpo para uni-lo com
Deus. Eis porque eu me atiro ao chão, aos pés do meu crucifixo, banhado
em minhas próprias lágrimas, e quando eu não posso mais chorar, eu pego
algumas pedras e bato no meu peito com elas, até que o sangue saia pela
minha boca, implorando por misericórdia, até que Deus tenha piedade de
mim. Será que existe alguém, capaz de entender a miséria do meu estado,
desejando tão ardentemente agradar a Deus e amar somente a Ele? Ainda
assim, eu estou sempre pronto a ofendê-lo. Que dor isso representa para
mim? Ajude-me, meu caro amigo, com o auxílio de suas orações, de forma
que eu me torne mais forte para repelir o demônio, que jurou me levar
para a condenação eterna'.
Meus
caros amigos, são esses os combates a que são submetidos os grandes
santos de Deus. Coitados de nós! Como somos dignos de pena por não
sermos assaltados ferozmente pelo demônio! De acordo com todas as
aparências, podemos dizer que somos amigos do diabo: ele nos faz viver
numa falsa paz, ele nos embala no sono, deixando-nos com a pretensão de
que recitamos algumas boas orações, distribuímos algumas esmolas e que
fizemos menos más ações do que os outros. De acordo com o nosso padrão,
meus caros irmãos, se perguntarmos, por exemplo, àquele sustentador do
cabaré ali, se o demônio o tem tentado, ele simplesmente dirá que nada o
incomoda absolutamente! Pergunta a esta garota ali, esta filha da
vaidade, quais são os combates que ela tem que travar contra o inimigo, e
ela vai responder-lhe sorrindo que ela não tem nenhuma luta e que,
aliás, ela nem sabe o que é ser tentada. Assim vocês verão, meus caros
amigos, que a tentação mais terrível de todas, é exatamente não ser
tentado. E vocês verão ainda mais! Vocês verão o estado daqueles a quem o
demônio está preservando para o inferno. Eu ousaria dizer ainda, que
ele tem o máximo cuidado em não atormentar tais pessoas com a recordação
de suas vidas no passado. Do contrário, seus olhos poderiam se abrir
para seus pecados!
O
maior de todos os males não é ser tentado porque há então motivos para
acreditar que o demônio está apenas esperando nossas mortes para nos
arrastar para o inferno. Nada poderia ser mais fácil de ser entendido.
Apenas considere o cristão que está tentando, ainda que seja de um modo
pequeno, salvar sua alma. Tudo em volta dele parece incliná-lo para o
mal, ele dificilmente consegue levantar os olhos sem ser tentado, apesar
de todas as orações e penitências! E mesmo assim, um pecador
empedernido, que passou uns 20 anos chafurdando na lama do pecado ainda
tem a coragem de dizer que não é tentado! Este está num estado muito
pior, meus caros amigos, muito pior! Isso é o que deveria fazer você
tremer de pavor: não saber o que são as tentações, pois dizer que você
não é tentado, é o mesmo que dizer que o demônio não existe ou que ele
perdeu todo seu raio de ação sobre as almas cristãs.
São
Gregório nos diz: 'Se você não sofre tentações é porque o demônio é seu
amigo, seu líder e seu pastor. E ao permitir que você passe sua pobre
vida na tranquilidade, no final de seus dias, ele lhe arrastará com
todos os outros para as profundezas do abismo'. Santo Agostinho diz-nos
que a maior tentação é não sofrer tentações, pois isso apenas significa
que uma pessoa assim, é uma pessoa que foi rejeitada por Deus,
abandonada por Deus, e deixada inteiramente à mercê de suas próprias
paixões.
Fonte: Sendarium - http://www.sendarium.com/2014/06/sermoes-do-cura-dars-i.html
Fonte: Sendarium - http://www.sendarium.com/2014/06/sermoes-do-cura-dars-i.html


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